Ao sair da sala de cinema, que me faz me sentir como numa masmorra, do museu geológico eu corri para o banheiro. Minha bexiga gritava por atenção há quase uma hora e meus pensamentos estavam em polvorosa por causa de seus chiliques. No banheiro, uma criatura diz: "não sei se gostei muito; não me senti muito dentro da época; pensei que ia mostrar mais da Revolução Francesa." Se ele estivesse dentro do privado ele veria minha cara de "buro" para ele.
Sofia Coppola causou bastante ano passado com sua cine-biografia da famosa rainha francesa Maria Antonieta; ela foi vaiada em Cannes [público bem estranho, venhamos e convenhamos], dividiu a crítica no mundo todo por um bom tempo e no público geral criou-se um certo ódio contra a mulher. Então voltando à criatura do banheiro, eu não posso dizer que não esperava tal reação; a sala - repleta de adultos de trinta, alguns sexagenários e outros em seus vintes - não parecia tão excitada quanto eu ao fim da sessão. Quando o cara do banheiro disse aquilo um clique me veio à mente e eu não resisti em dizer "talvez porque esse filme é sobre Maria Antonieta e não a Revolução Francesa."
Agora há pouco, enquanto teclava com meu pai sobre a infame rainha, me toquei que muito se conhece de Antonieta pela história contada pelos vencedores, os revolucionários [cita-se a famosa e blasé frase dos brioches]. O filme de Coppola, como o cinema em si, não está preocupado em educar sobre parte da história francesa. Durante as duas horas do filme mergulhamos no universo daquela jovem austríaca, a qual ao chegar em Versalhes passou boa parte do tempo enfrentando calada os ridículos protocolos e as fofocas da nobreza francesa. Até o momento em que se tornou rainha e finalmente se encaixou, porém não como se espera: Maria Antonieta - segundo Sofia Coppola - reinventou a corte de Versalhes.
Como uma jovem imersa naquela chatisse nobre, ela apenas procurou se divertir. Ao assistir o filme de Sofia eu não conseguia deixar de me maravilhar com seus anacronismos. Desde a deliciosa trilha sonora a uma das seqüências mais esperadas por mim: uma série de vestidos e sapatos maravilhosos é desfilada, até que de repente, quase que imperceptível, me aparece um lindo e azul par de Converse All Stars! Minha risada ecoou pela sala em silêncio, provavelmente ignorante ao anacronismo, ou à genialidade dele.
A frivolidade foi o único subterfúgio que Antonieta encontrou para se manter ocupada numa nobreza que muito pouco se importava com o resto da população da França. Porém, essa não é a intenção desse filme. Apesar de estarmos em perfeita sintonia com a mente e o humor da heroína [quando ela está em êxtase, também estamos, quando ela está entediada, também estamos], não dá para se sentir em momento algum impelido a jugá-la, a julgar suas escolhas e atitudes, baseados nos fatos históricos que conhecemos. Desculpando-me pela franqueza, imbecil daquele que buscou precisão histórica nesse filme. Aliás, imbecil daquele que busca precisão histórica em qualquer filme; você pode até se esbarrar com algumas, mas no momento em que o cinema virar uma palestra de História eu simplesmente deixo de ver filmes.
Esse foi um dos filmes do ano passado que mais esperei. Foram meses tediosos de espera, sendo no meio tempo apenas entretido por uma divindade adoravelmente sádica e uma forte cozinheira assumbrada por sua mãe [houve também a mulher à frente de seu tempo, porém ela não era exatamente do ano passado]; quando o filme finalmente estreiou no Brasil, em março, tive que esperar mais uma eternidade até essa semana e o filme, mais uma vez, firmou o lugar de Sofia Coppola em meu altar.
[Musique: Ceremony - New Order]