Cine-biografias normais te dão, num tempo de no mínimo 90 minutos, o máximo de informações sobre a vida do biografado; aí você termina o filme se sentindo um expert sobre ele, sua vida e seu trabalho. As três últimas que me lembro ter assistido [Ray, Johnny e June e Piaf], apesar de diferentes uma da outra, são exatamente desse jeito e, então, eu posso dizer que cine-biografias, particularmente de estrelas do mundo musical, não são minhas colheres de chá.
Até o momento em que meus olhos e mente viram Não Estou Lá [2002] de Todd Haynes. Sempre que penso nele, sinto a incrível sensação de ter sido jogado num mundo sobre o qual eu não sabia nada, e pior, sair de lá sabendo menos ainda!!
Explicarei: quando vi "Ray" e "La Vie En Rose", eu já adorava as músicas de Ray Charles e Edith Piaf e tinha uma certa informação sobre suas vidas, e quando vi "Johnny e June" não sabia de nada sobre Johnny Cash [exceto que ele havia morrido há pouco e que cantou uma canção de 9 Inch Nails] e June Carter, mas quando os filmes acabaram, não tive um pingo de vontade desaber mais sobre suas vidas, ou outros pontos de vistas sobre elas, a única coisa que fiz foi baixas a trilha de "Johnny", ainda assim, baixei as reinterpretações de Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon das músicas de Cash.
Quando "Não Estou Lá" terminou eu não tinha palavras, porque eu não sabia como lidar com o que vi! A única coisa que sabia é que queria desesperadamente baixar tudo de Dylan que surgisse na minha frente. Senti que ao invés de nos contar contos da vida de Dylan, com a suposta certeza de que eles são fatos, o filme de Haynes parece mais seus sentimentos e reflexões sobre a obra de Dylan, do que encenações de uma vida. Desta forma, tenho certeza que que devo assistí-lo de novo várias vezes, enquanto estudo e descubro mais do trabalho de Bob, pelo próprio Bob.
Mas enquanto os pensamentos continuam, me pergunto se não seria essa a melhor forma de registrar em celulóide a vida de um artista? Através de seus trabalhos; a não ser que o próprio artista escreva o roteiro, mas seria uma puta de uma coisa Norma Desmond a ser feita.
Nos créditos de abertura lê-se "inspirado pela música e várias vidas de Bob Dylan", e é aí que a coisa fica genial, porque não é baseado em alguma biografia específica.
E "inspirado" é uma palavra bem mais abrangente que "baseado"; você pode dizer que dá tudo no mesmo, mas se prestar bem atenção às palavras e suas camadas, você notará a diferença entre elas.
No fim, em "Não Estou Lá" parece realmente que ninguem está lá! Você sabe que eles estão falando de Dylan, mas será mesmo? O filme apresenta uma honestidade crua em relação ao fato de que aquela é a visão de Haynes e é por isso [à minha concepção] que o filme é tão intrigante, exigente e [por que não?] inspirador.
De agora em diante tenho duas missões: descobrir Dylan e Haynes.
[Musique: 1234 - Feist]