Ao ver a expressão de Britney Spears na capa de seu novo álbum, Circus, e ouvindo seu conteúdo, é quase impossível não reparar a interessante ambivalência que ainda é sua vida artística no momento. A foto sustenta uma adolescência semi-ridícula para uma mulher prestes a completar 27 anos, tão evidente que não duvidá-la é quase um lapso de inteligência.
A confirmação da dúvida vem com a música de abertura e lead-single, Womanizer. A faixa dance carregada de elementos eletrônicos bem sujos e caóticos, rementendo-se fortemente à excelente tour-de-force eletro-experimental do Blackout [2007]. Porém, o interessante é o tom raivoso de Spears; com uma voz grave e robótica, que mais se parece com a dela própria do que vocoders, ela abre o proposto espetáculo de circo com um sarcasmo sobre um homem [pode-se ler "mídia/público"] com problemas de fidelidade. Esta maneira de ver e tratar seu mundo e, portanto, a si própria tem efeito interessante.
Na faixa-título ela se apresenta como a definitiva crowd-pleaser, a entertainer tão ávida pelo amor de sua audiência que é capaz de manter características de seu passado imaturo porque sabe que é o que você quer ver. Tal comportamento é ouvido em faixas como as baladas Out From Under e My Baby, e em outros momentos como Blur e Mannequin: são boas faixas, mas soam mais como personagens de Gossip Girl posando de maduras que um adulto de fato.
Contudo, quando o circo assume feições mais estranhas, Britney continua prendendo sua atenção, mas não por seu bel-prazer e sim porque a estrela do espetácalo simplesmente parece ter um ataque. Kill The Lights, sequência de seu hit Piece Of Me, não tem nada de "levemente irônico" e é bem direto e obscuro. Spears declara assassinar todas as luzes e concepções que os outros vendem como dela, dizendo coisas como "Vocês me querem loucamente, eu os quero fora/Acabemos com esse stress" ["You want me bad, I want you out/Release this stress"] e "Há mais em mim do que vocês vêem/Vocês não gostariam de mim raivosa" ["Theres more to me than what you see/You wouldn't like me when I'm angry"]; tudo isso acompanhado de uma produção estilosa misturando R'n'B com maduros elementos de Dance e SynthPop, capaz de te jogar no dancefloor que você nem vai saber por onde veio o golpe.
Outra estrela do álbum é If You Seek Amy. A nova colaboração entre Spears e o produtor de seus sucessos mais icônicos, Max Martin [Baby One More Time, Oops I Did It Again etc], ainda sustenta característica sonoras de seus passados pop-teen [de Spears e Martin], como la-la-las, refrões grudentos e pontes pop bem britnescas. Mas há um humor quase negro que vai desde os sintetizadores rápidos e desesperados ao trocadilho do título [em inglês soa como eff, you, see, kay me = F-U-C-K me], que passa a certeza que você pode odiá-la ou amá-la, mas todo mundo [você, inclusive] quer comê-la.
Finalmente, você se toca que o sorriso aparentemente forçado da capa do álbum, pode sê-lo de fato. Ser a estrela do circo não significa que por trás da cortina ela esteja feliz com o mundo ao seu redor. Quando não está nos agradando, Spears é bem crítica quanto ao seu papel e as espectativas dos outros quanto a ela. Isso faz o Circus parecer um bom ensaio de uma pessoa que tem grandes pretensões, mas que ainda faz o que se espera dela... por covardia, por prudência, ou seja lá o que for. E, mesmo desagradando os que esperavam uma evolução ainda mais experimental de seu álbum anterior, Britney faz uma performance digna de 4-estrelas.
PS: O curioso deste álbum é que as faixas bônus soam melhores e mais promissoras que a maioria do álbum. Rock Me In, Trouble, Rock Boy e Phonography [que se tivesse um arranjo IndieRock seria perfeita para o álbum Donkey do CSS] têm produções impecáveis à lá Kylie Minogue e clima EuroPop que, apesar de não tornarem o álbum tão comercial quanto ele é, pelo menos ele teria uma produção mais artistica e elaborada.