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Hoje, antes de cair na noite, disse a uma amiga no msn que precisava sair nem que fosse para falar mal das roupas do povo. Mal sabia que acabaria reencontrando a razão principal de ter decidido voltar para Vitória da Conquista.
Em Life's A Bitch, o blog-mãe deste aqui, toda a minha saga soteropolitana, os motivos de minha depressão e o processo de confrontação com meus tropeços estão melhor registrados, em inglês, mas estão. Porém, resumindo a parada, decidi voltar para Conquista por descobrir que ainda não tinha maturidade para a "big city" [se é que se pode chamar Salvador disso].
Conquista é um dos lugares mais perigosos que existem. Aqui a ilusão de que tudo vai bem é perfeitamente arquitetada pelo demônio, que simplesmente é a população da cidade.
Localizada num entroncamento de grandes rodovias do país, este é um lugar em que tudo chega e passa. Mas, como em toda encruzilhada, aqui ficam os que a) são fracos* e acreditam que aqui é o paraíso, b) os fortes que conhecem o mundo e sabem onde estão se metendo e c) os mezzo perdidos que vêem na cidade um trampolim ideal para o mundo. Quando decidi voltar para cá, depois da experiência Salvador, eu já sabia que a minha era a categoria c, mas dois anos já se passaram e milhares de coisas aconteceram.
A beleza de Conquista, que muitos outsiders, por puro preconceito, não conseguem enxergar é que muita, mas muita coisa mesmo, acontece nesta cidade. Aqui você encontra as mesmas tribos metropolitanas, as mesmas baladas metropolitanas, as mesmas drogas metropolitanas - tudo em proporção interiorana, claro, mas encontra. É só fuçar, é só se predispor a tal. Ontem mesmo conheci uma figura de São Paulo que foi uma das criaturas mais insanas que tive a oportunidade de encontrar. Típico de Conquista; nas minhas "noites que duram", já vi e vivi coisa que a maioria esnobe das capitais são incapazes de acreditar.
E é aí também que reside a feiúra conquistense: na idéia de que tudo chega aqui causando a impressão de o mundo lá fora não ser importante. Ridículo, né? Entretanto, boa parte das pessoas acreditam piamente nisso; e não falo dos desprovidos de grana e educação formal, a elite conquistense é um exemplo clássico de burriquisse. Conquista tem o poder de acomodar as pessoas numa pseudo-qualidade de vida. O tedioso ideal burguês de ter tudo o que se pode comprar numa capital [luxo, cultura e etc], ao mesmo tempo que não se sente as mazelas de uma capital.
Se Bocas do Inferno e Caça-Vampiros fossem realidade, pode apostar que Conquista estaria bem em cima de uma dessas fendas entre universos diferentes e divergentes. Mas nem todo mundo aqui dorme no escuro do limbo, achando que só por não estarem sendo punidos estão, portanto, no paraíso. Pessoas do grupo b e c são muitas e cada vez mais presentes na cena importante da cidade. Daí importante acreditar no Found in Limbo, que talvez se nos esforçarmos poderemos um dia acender alguma luz - não para salvar a todos, não me atenho a tais utopias, mas que pelo menos quem queria partir, parta.
Disse que esta noite me reencontrei com o motivo de ter voltado para cá; ele me encontrou de novo quando uma amiga conquistense disse ter largado o emprego de 11 anos e está planejando uma viagem de descanso ao paraíso baiano de Boipeba, me perguntando porque diabos tenho perdido tempo aqui.
Eu não acredito em perca de tempo. Nem mesmo quando se está inconsciente da perda. Cada um tem o seu tempo e sua forma de lidar com ele, e ao me questionar ela apertou sem saber o botão da memória, tirando de mim exatamente a mesma resposta que com o tempo foi adormecendo em mim: "Conquista é meu lugar de aprendizagem, daqui vou sair com forças para qualquer lugar."
Só quem já saiu daqui e voltou, ou viveu em tantos outros mundos antes daqui, sabe o que estou dizendo. E hey, eu me encaixo nos dois casos.
*meus conceitos da dicotomia fraco/forte são bem específicos e de certa forma idealistas.
[Musique: Limbo - Kylie Minogue]