Talvez eu seja muito fã de Woody Allen, mas penso que poucos ao meu redor, que convivem com essa fascinação que tenho por ele, realmente dão crédito à sua divertida visão auto-depreciativa, associada às adoráveis referências cinematográficas capazes de fabricar filmes esplêndidos. E, ego aparte, não pode ser uma coisa que só eu percebo, é só procurar variadas críticas e estudos sobre sua filmografia que, talvez, passem a dar mais crédito ao que digo.
Em Memórias [Stardust Memories, 1980], Allen faz o cineasta Sandy Bates, que é ninguém menos que um alter-ego do próprio Woody. Bates, num processo de crise de meia-idade e incrédulo em relação à relevância de seu trabalho até então, tem que passar por um final de semana no Hotel Stardust, onde uma retrospectiva de seus filmes está sendo exibida. Lá, dentre milhares de memórias filmadas felinianamente, suas relações com diferentes arquétipos de mulheres e situações de absoluto nonsense - que são tão Woody Allen quanto cinematicamente sonhadoras, - Sandy revisa sua vida e propósitos, enquanto homenageia o que é provavelmente sua real e principal inspiração: o cinema.
Alguns momentos são diabolicamente pessoais, como uma cena em que Dorrie, uma das namoradas de Sandy - interpretada pela deslumbrante Charlotte Rampling - acusa-o de paquerar com sua prima pré-adolescente. Quem conhece um pouco da vida de Woody Allen é ciente do escândalo entre ele, sua então namorada Mia Farrow e as acusações de pedofilia feitas por ela após encontrar fotos de uma de suas filhas adotivas, Soon-Yi Previn, nua dentre as coisas de Allen. Anacrônicamente pensando, quem conhece a história enxerga a cena como um preview bem irônico do que se desenrolaria na vida de Allen posteriormente.
Mas não são apenas esta e outras deliciosas memórias pessoais, injetadas (ora sutilmente ora nem tanto) no filme, que fazem dele uma jóia rara. A homenagem escancarada a Fellini 8 1/2, com sua fotografia em preto-e-branco e meta-linguagem, é a grande estrela do filme. Amantes do cinema não resistirão às belas montagens, muito menos os amantes do cinema de Allen, que perceberão seu humor ácido em cada diálogo e referência. É verdade que se for analisar friamente, nesta época Allen em diversos filme falava muito sobre as mesmas coisas e pessoas, e muitas vezes da mesma forma. Mas a irônia com que ele trata sua própria visão cria um equilíbrio adorável para suas alfinetadas.
As atuações são lindas, especialmente as femininas. Rampling, que vive Dorrie, a ex-namorada problemática de Sandy e provavelmente seu grande amor, é uma força da natureza, poderosamente linda e sensual; numa das cenas finais de sua personagem, ela dá um show numa sequência de close-ups que parecem ensaios, mas são carregados de esplendor emocional e teatralidade. Jessica Harper, como Daisy, é a representação da busca de Sandy por Dorrie em outras mulheres, enquanto a charmosérrima Marie-Christine Barrault é a mulher completamente diferente das outras e, portanto, o ideal de chance sólida e real no amor. As três, juntas no contexto do filme, incorporam a fascinação de Allen pelas mulheres de seu tempo: talentosas, sofisticadas e tão paranóicas quanto ele.
A trilha sonora também é um espetáculo com clássicos do Jazz como Moonlight Serenade, de Glenn Miller, e uma versão deliciosa de Aquarela do Brasil.
Na sequencia final, foi impossível não me sentir emocionado com a brincadeira que Allen faz sobre seu próprio trabalho, concluindo a deliciosa canção-de-amor à Sétima Arte e, por que não, à sua contribuição a ela. "Memórias" é daqueles filmes essenciais para qualquer cinéfilo.
Em Memórias [Stardust Memories, 1980], Allen faz o cineasta Sandy Bates, que é ninguém menos que um alter-ego do próprio Woody. Bates, num processo de crise de meia-idade e incrédulo em relação à relevância de seu trabalho até então, tem que passar por um final de semana no Hotel Stardust, onde uma retrospectiva de seus filmes está sendo exibida. Lá, dentre milhares de memórias filmadas felinianamente, suas relações com diferentes arquétipos de mulheres e situações de absoluto nonsense - que são tão Woody Allen quanto cinematicamente sonhadoras, - Sandy revisa sua vida e propósitos, enquanto homenageia o que é provavelmente sua real e principal inspiração: o cinema.
Alguns momentos são diabolicamente pessoais, como uma cena em que Dorrie, uma das namoradas de Sandy - interpretada pela deslumbrante Charlotte Rampling - acusa-o de paquerar com sua prima pré-adolescente. Quem conhece um pouco da vida de Woody Allen é ciente do escândalo entre ele, sua então namorada Mia Farrow e as acusações de pedofilia feitas por ela após encontrar fotos de uma de suas filhas adotivas, Soon-Yi Previn, nua dentre as coisas de Allen. Anacrônicamente pensando, quem conhece a história enxerga a cena como um preview bem irônico do que se desenrolaria na vida de Allen posteriormente.
Mas não são apenas esta e outras deliciosas memórias pessoais, injetadas (ora sutilmente ora nem tanto) no filme, que fazem dele uma jóia rara. A homenagem escancarada a Fellini 8 1/2, com sua fotografia em preto-e-branco e meta-linguagem, é a grande estrela do filme. Amantes do cinema não resistirão às belas montagens, muito menos os amantes do cinema de Allen, que perceberão seu humor ácido em cada diálogo e referência. É verdade que se for analisar friamente, nesta época Allen em diversos filme falava muito sobre as mesmas coisas e pessoas, e muitas vezes da mesma forma. Mas a irônia com que ele trata sua própria visão cria um equilíbrio adorável para suas alfinetadas.
As atuações são lindas, especialmente as femininas. Rampling, que vive Dorrie, a ex-namorada problemática de Sandy e provavelmente seu grande amor, é uma força da natureza, poderosamente linda e sensual; numa das cenas finais de sua personagem, ela dá um show numa sequência de close-ups que parecem ensaios, mas são carregados de esplendor emocional e teatralidade. Jessica Harper, como Daisy, é a representação da busca de Sandy por Dorrie em outras mulheres, enquanto a charmosérrima Marie-Christine Barrault é a mulher completamente diferente das outras e, portanto, o ideal de chance sólida e real no amor. As três, juntas no contexto do filme, incorporam a fascinação de Allen pelas mulheres de seu tempo: talentosas, sofisticadas e tão paranóicas quanto ele.
A trilha sonora também é um espetáculo com clássicos do Jazz como Moonlight Serenade, de Glenn Miller, e uma versão deliciosa de Aquarela do Brasil.
Na sequencia final, foi impossível não me sentir emocionado com a brincadeira que Allen faz sobre seu próprio trabalho, concluindo a deliciosa canção-de-amor à Sétima Arte e, por que não, à sua contribuição a ela. "Memórias" é daqueles filmes essenciais para qualquer cinéfilo.